Artigo publicado em: Democracy Now! Por Amy Goodman e Denis Moynihan
SAHARA OCIDENTAL OCUPADO – Os olhos de Sultana Khaya não combinam perfeitamente. Um deles é artificial. Em 2005, um policia marroquino espetou o seu bastão no soquete do olho enquanto ela estava a protestar pacificamente com colegas estudantes universitários. O policia arrancou o olho com a mão.
Sultana é Saharaui, a população indígena nativa do Sahara Ocidental. Ocupado pelo Reino de Marrocos desde 1975, o Sahara Ocidental é frequentemente referido como a última colónia de África. Os saharauis estão em uma luta prolongada pela autodeterminação, e enfrentam uma terrível repressão por Marrocos.
As Nações Unidas apelaram a um referendo que permitiria aos saharauis decidir se permaneceriam parte de Marrocos ou se tornariam independentes, mas Marrocos bloqueia a votação há mais de 25 anos.
O Sahara Ocidental é um território rico em recursos naturais: pesca, fosfatos e perspectivas de petróleo offshore. Milhares de saharauis foram torturados, presos, mortos e vitimas de desaparecimentos forçados desde que a ocupação começou há mais de 40 anos. Para entender a profundidade do compromisso dos saharauis com a independência, sua coragem diante da brutal opressão, basta olhar nos olhos de Sultana Khaya. Fomos a El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, logo após a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP22) encerrada na semana passada em Marraquexe, Marrocos.
Fomos a primeira equipe estrangeira de notícias de televisão a entrar no Sahara Ocidental nos últimos anos. Fomos seguidos constantemente, a pé e por homens em motos e em carros. Eles ficaram do lado de fora do hotel noite e dia. A polícia secreta marroquina veio ao nosso hotel à meia-noite na nossa primeira noite, uma visita “estritamente rotineira”, disseram-nos, “para nos proteger”. Os jornalistas estrangeiros que chegam são frequentemente expulsos se os agentes de inteligência marroquinos os veem entrevistar Saharauis pro -independência.
Os ativistas saharauis que nos falaram fizeram isso com grande risco para a sua própria segurança pessoal. Encontramo-nos com eles principalmente nos seus apartamentos, onde nos sentamos em sofás em linha nas paredes à moda tradicional do Sahara, com o chá saharaui, “at-tay”, preparado sobre as brasas.
Paramos para almoço num restaurante praticamente deserto na extremidade da cidade. Cerca de 80 homens e algumas mulheres chegaram abruptamente. A maioria usava trajes saharauis tradicionais, e muitos agitavam a bandeira oficial do estado ocupante, Marrocos. Entraram no restaurante, enchendo todas as mesas vizinhas, a encurralarem nos efetivamente. Uma dúzia de agentes à paisana, um usando uma boné de beisebol do NYPD, estavam lá a coordenar, constantemente nos seus telemóveis. Lá fora, os carros dos agentes de segurança bloquearam o nosso. Vários dos homens sentados perto de nós pareciam muito agitados, e temíamos que essa exibição bizarra pudesse tornar-se violenta. Eles cercaram-nos. Enquanto quase nenhum na multidão falava inglês, desdobraram vários panos de vinil brilhante com slogans em inglês como “Shame on Democracy Now!” (vergonha!! Democracy Now!) Os panos eram idênticos em design aos mostrados depois do secretário-geral, Ban Ki-moon, ter adjetivado a presença marroquina no Sahara Ocidental como uma ocupação.
Quando saímos, ficou evidente porque é que a multidão nos rodeou como fez.
Sultana e outros ativistas saharauis organizaram uma manifestação no centro da cidade. A multidão que nos rodeava impediu-nos de chegar ao protesto, que foi violentamente atacado por policias marroquinos. Valentes jornalistas independentes saharauis que operam sob extrema ameaça no Sahara Ocidental conseguiram capturar em vídeo a manifestação, que mais tarde compartilharam connosco. A repressão violenta daquele dia foi muito típica.
Um vídeo mostra um homem portador de deficiência, Mohamed Alouat, diretor de uma escola para deficientes, detentor da bandeira do Sahara Ocidental independente, um governo exilado nos campos de refugiados saharauis em Tindouf, na Argélia, onde vivem cerca de 100.000 refugiados saharauis.
A polícia ataca Alouat, rasga a bandeira das suas mãos, e arrastá-lo.
Sultana e outras mulheres gritam às autoridades marroquinas. Um grupo de pelo menos 20 homens juntam-se em torno das mulheres Saharauis, empurrando-as para uma rua lateral, longe da via principal. Eles atacam as mulheres. E batem num delas, Aziza Biza, diretora do Fórum das Mulheres Saharauis, nos rins e estômago com um walkie-talkie. Ela testemunhou mais tarde que a sufocaram com o seu vestido tradicional , a melfa, até que desmaiou no chão. A polícia continua empurrando outras mulheres contra uma parede e atacando-as sexualmente agarrando e torcendo seus seios. Os agentes veem um homem gravar o assalto de um telhado próximo e começaram a atirar pedras contra ele.
Encontramos os homens e mulheres feridos naquela noite e registamos os seus relatos. As mulheres mostraram-nos os seus ferimentos, descrevendo como a polícia torceu os seios e os mamilos, infligindo dor intensa. Aziza estava fraca, vomitando repetidamente.
Mais tarde naquela noite de nossa janela do hotel, vimos a polícia na viatura anti motim a atirar pedras contra os manifestantes de saharauis. O povo saharaui não se deixa intimidar na sua luta não-violenta pela autodeterminação. Podem ver o compromisso com essa luta no olho de Sultana Khaya.