PUSL.- A um dia da reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o mandato da MINURSO (Missão de Paz das Nações Unidas) entrevistamos Hmad Hammad, Vice-presidente de CODAPSO e membro da ISACOM, duas organizações saharauis nos territórios ocupados do Sahara Ocidental que defendem os direitos humanos e o direito à autodeterminação do seu povo.
Há mais de uma semana que civis saharauis bloquearam em El Guergarat a brecha ilegal aberta por Marrocos na zona tampão em violação dos acordos assinados pelas partes do conflicto.
Esta brecha serve essencialmente para narcotráfico de cannabis e outras drogas de Marrocos que em seguida vão para o Sahel e são uma das fontes de financiamento dos grupos terroristas que aí operam e para a exportação de todos os produtos e recursos naturais que Marrocos rouba dos territórios ocupados violando o direito internacional.
Perante este quadro e o aumento de violência contra os civis saharauis nos territórios ocupados perguntamos a Hmad Hammad, activista e ex-preso político qual a situação em El Aaiun e nas outras cidades ocupadas ilegalmente por Marrocos.
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“Temos centenas de milhares de colonos marroquinos nos territórios ocupados. Muitos deles têm armas, especialmente armas brancas e catanas. Não esperamos nada deles. Quando o poder marroquino (Makhzen – o poder sombra) ou o Rei os incita contra nós eles atacam. Isso aconteceu muitas vezes ao longo destes 45 anos de ocupação.
Como e porquê chegam aqui os colonos? Chegam aqui porque lhes dão incentivos, dão o que não têm em Marrocos, empregos, salários muito mais elevados, isenções e incentivos fiscais, produtos e bens essenciais subsidiados.
No entanto são pessoas com medo, têm medo porque sabem que estão a roubar, por muito que o desmentem. Veem as nossas mulheres, as nossas heroínas, a manifestar-se nas ruas, a desafiar a ocupação, veem as nossas crianças e jovens a manifestar-se, veem os nossos homens a desenvolver acções não violentas contra a ocupação.
O que eles veem nas ruas é o mais importante porque o que veem nos jornais, na televisão e nas redes sociais marroquinas é uma mentira.
Podem dizer e repetir o que é suposto dizerem para caírem nas graças da ocupação marroquina, mas não são cegos. Muitos têm vizinhos saharauis e veem que somos pessoas respeitadoras, educadas, que temos valores éticos e morais, que respeitamos a nossa fé e somos pessoas de paz. Mas também veem a nossa resistência e as nossas convicções.
Hoje temos outro mundo, há mais informação, apesar de também haver muito desinformação, sempre alguma coisa da verdade transparece.
Penso que os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas devem perceber que isto não é algo sustentável, a grande maioria dos Saharauis anseiam por uma guerra porque não podemos continuar a viver assim. Não porque gostamos de guerra, mas porque ninguém nos dá a oportunidade de paz. Ninguém respeita as promessas que nos fizeram.
Pergunto aos leitores: Se um ladrão entra em vossa casa rouba, destrói, mata os vossos familiares e em seguida sequestra e viola as vossas filhas, o que fazem? Se esse mesmo ladrão é obrigado a assinar um acordo em que diz que vai respeitar um “cessar fogo” e vai realizar um referendo, mas nunca o faz, o que fazem? O que fazem se esse mesmo bandido continuar a ir à vossa casa onde rouba, destrói, mata os vossos familiares e em seguida sequestra e viola as vossas filhas, o que fazem? E se tudo isso acontece debaixo da Missão das Nações Unidas, o que fazem?
Neste momento somos apenas 9% da população no nosso próprio país. Deslocaram uma quantidade de militares, soldados, paramilitares, gendarmes e colonos incalculável. Baixamos os braços? Não!
Querem transformar-nos nos estrangeiros no nosso próprio país.
Sobre a MINURSO o que tenho a dizer é que é outra face da Ocupação, é outro ocupante. Quem assiste ao que assiste esta Missão sem fazer nada não é neutro, é cúmplice. É um ajudante.
A MINURSO apoia Marrocos ao não actuar, ao silenciar, ao estar presente. É outro ocupante.
Não há mais que possa dizer têm aí os vídeos de ontem das nossas mulheres a apoiarem os nossos irmãos e irmãs em Guergarat. Não estou aí com elas, eu e muitos dos activistas porque temos as nossas casas cercadas pelas autoridades de ocupação. Não nos deixam sair, os nossos movimentos estão totalmente controlados.
É essa a situação que a MINURSO silencia, é essa a situação em que vivemos, empobrecimento forçado, tortura, violência diária, detenções, julgamentos farsa, negligência médica mortal. Matam os nossos camelos, matam a nossa cultura. É um extermínio. Esta é a nossa realidade.”