As estranhas águas do Tejo.

 

Por Haddamin Moulud Said. Em Bir Ganduz, 04 de Abril de 2022.

Para trazer alguns elementos à luz da recente traição de Espanha às suas obrigações internacionais solenemente adquiridas, no que diz respeito ao Sara Ocidental, talvez valha a pena ir a jusante, ao longo do rio Tejo, para o comparar com o que está a acontecer a montante.

O relatório de Portugal apresentado ao Comité do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, na sua sessão de 1998, sob o símbolo E/1994/104/Add.20, diz o seguinte:

A. O direito dos povos à autodeterminação

12. O artigo 7 (1) da Constituição Portuguesa consagra, como princípio fundamental no quadro das normas internacionais, o direito dos povos à autodeterminação e à independência. Em conformidade com o seu Artigo 293, Portugal continua a assumir as suas responsabilidades ao abrigo do direito internacional para promover e garantir o direito à autodeterminação e independência de Timor Leste.
13. A este respeito, um dos pontos do programa do actual Governo em relação a Timor Leste estipula que “a política externa portuguesa, no que diz respeito a Timor Leste, visa criar condições para o livre exercício do direito à autodeterminação e aliviar o sofrimento do povo timorense”. Após enumerar as várias medidas a tomar pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre esta questão (continuação da política de sensibilização para os problemas de Timor, nomeadamente no quadro das Nações Unidas e da União Europeia, e negociações diplomáticas, sob os auspícios do Secretário-Geral, nomeadamente com a Indonésia), afirma-se que Portugal não tem qualquer pretensão em relação a Timor Leste, razão pela qual não tem ideias preconcebidas sobre o futuro do território. Cabe ao povo timorense decidir em plena liberdade e democracia, e em conformidade com o direito internacional, este assunto, bem como o seu estatuto político.
14. Relativamente a Timor-Leste e ao direito do povo timorense à autodeterminação, é de notar que o Estado português apresentou uma queixa contra a Austrália perante o Tribunal Internacional de Justiça, pedindo-lhe que declarasse que o Tratado do Mar de Timor de 1989 entre a Austrália e a Indonésia é contrário ao direito internacional, porque viola o direito do povo timorense à autodeterminação (na perspectiva do direito dos povos a disporem dos seus recursos naturais), bem como os legítimos interesses do povo timorense. De facto, o Tratado divide a área da plataforma continental entre a Austrália e a Indonésia sem ter em conta os direitos de Timor. Portugal pede portanto ao Tribunal que decida que “tanto o direito do povo timorense à autodeterminação, à integridade e unidade do seu território e à sua soberania permanente sobre as suas riquezas e recursos naturais, como os deveres, competência e direitos de Portugal como poder de administração do território de Timor Leste são oponíveis à Austrália”, e que a Austrália “minou e está a minar o direito do povo timorense à autodeterminação, à integridade e unidade do seu território e à sua soberania permanente sobre as suas riquezas e recursos naturais e viola a obrigação de não ignorar e respeitar esse direito, essa integridade e essa soberania”

E o que dizia a Constituição Portuguesa de 1997? Ou seja, antes da independência de Timor Leste. Bem, a constituição portuguesa dizia o seguinte:

Artigo 293
(Autodeterminação e independência de Timor Leste)
Portugal continua vinculado às suas responsabilidades, de acordo com odireito internacional, para promover e garantir o direito de Timor-Leste à liberdade determinação e independência.
Compete ao Presidente da República e ao Governo praticar todos os actos necessários para atingir os objetivos expressos no parágrafo anterior.

Por seu lado, o artigo 7.3 da atual constituição portuguesa (reformada em 2005) no que diz respeito às Relações Internacionais declara:

Portugal reconhecerá os direitos dos povos à autodeterminação e independência e desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todos os formas de opressão.

Então o que aconteceu no Sahara Ocidental? Porque é que o povo saharaui não exerceu o seu direito à autodeterminação e à independência como outros povos anteriormente colonizados o fizeram?

Muito simplesmente: Espanha não cumpriu as suas responsabilidades internacionais solenemente adquiridas ao abrigo do direito internacional.

Actualmente, infelizmente, todos os partidos políticos utilizam a questão saharaui como uma arma política, uma arma com que alguns atacam outros, e não como uma questão de princípio, não como uma questão de Estado, não como uma questão que reforça a posição e a imagem de Espanha como um firme defensor do Direito Internacional.

Se os partidos políticos espanhóis quisessem realmente assumir as responsabilidades históricas, legais, políticas e morais de Espanha em relação ao Sahara Ocidental, seria muito claro para eles: conceder um estatuto constitucional ao direito do povo saharaui à autodeterminação e à independência. No fim de contas, as relações internacionais de Espanha não são estranhas à Constituição.

Consequentemente, até vermos os partidos políticos incluir declarações como as acima referidas nos seus programas políticos, continuaremos a assumir que eles não se importam com a questão.

Por outro lado, a desorientação de alguns funcionários saharauis é tal que também não se aperceberam da importância desta questão, razão pela qual nunca a levantaram nem a defenderam em nenhum fórum.

 

POR UN SAHARA LIBRE .org - PUSL
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