Lisboa, 29 de Outubro de 2022
Ao participar nos trabalhos do vosso 11º Congresso, queria em nome de todas as mulheres saharauis, tanto as que resistem nas zonas ocupadas como as que suportam as dificuldades do exílio nos campos de refugiados, expressar a minha sincera gratidão a todas as organizações que nos apoiam, e muito especialmente a esta notável organização portuguesa, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) que me convidou e possibilitou a minha vinda.
Ser apoiada por uma organização conhecida pela sua trajectória e pelo seu trabalho incansável nas transformações sociais, políticas e económicas em Portugal é um reflexo claro de como as mulheres saharauis são afortunadas por terem como companheiras na sua luta mulheres para quem a paz, a democracia e os direitos humanos são valores não negociáveis e pelos quais continuamos a pagar um preço muito elevado até aos dias de hoje.
Queridas Irmãs
Participo como todas vós como activista dos direitos humanos, sou presidente da Liga Saharaui para a Defesa dos Direitos Humanos e dos Recursos Naturais e membro da Instância Saharaui Contra a Ocupação Marroquina.
Gostaria de partilhar convosco alguns dos sofrimentos do povo saharaui desde 1975, com especial menção à mulher saharaui, que tem sido perseguida pelo ocupante Marroquino pela sua participação activa, assim com os seus irmãos.
Também elas, as minhas irmãs saharauis, foram presas, raptadas, maltratadas, violadas e assassinadas. Mortas durante a gravidez ou ao verem os seus próprios filhos a serem mortos diante dos seus olhos. Este é o sofrimento do povo saharaui, da mulher saharaui.
Ao longo desta árdua jornada, as mulheres saharauis têm estado na vanguarda da luta, defendendo a sua causa e o seu país.
Queridas irmãs
Como activista saharaui, tenho sido também uma vítima, sendo apenas uma amostra insignificante de tudo o que as mulheres saharauis têm sofrido.
Desde o início da intifada não violenta da independência a 21 de Maio de 2005, que mobilizou todas as cidades do Sahara Ocidental ocupado, e também a cidade de Bojador onde nasci, fui detida várias vezes e maltratada pelas forças de ocupação.
Fui deslocado da minha cidade natal, de El Aaiún, e das cidades de Smara e de Dakhla. Decidi então mudar-me para a cidade marroquina de Marraquexe para estudar num curso de formação e lá encontrei uma oportunidade de me juntar a outros estudantes saharauis para organizar marchas pacíficas para defender o direito do povo saharaui à autodeterminação. Numa destas manifestações pacíficas, fui espancada até me retirarem o olho e fui condenada a 8 meses de prisão.
Após uma longa viagem sem tratamento médico e uma sentença subsequente de 3 meses, fui obrigada a deixar a minha pátria durante dois anos. Quando regressei, fui recebida com os mesmos métodos: fui agredida e torturada. Em várias ocasiões, por exemplo em Outubro de 2011, tentaram arrancar-me o outro olho, na cidade ocupada de El Aaiún, e também durante a última visita de Christopher Ross, enviado pessoal do SG da ONU para o povo saharaui. A 25 de Março de 2013, fui raptada na Avenida Smara e torturada numa carrinha da polícia e depois abandonado a 12 km de distância, tendo de voltar a pé para a cidade de El Aaiún.
Toda esta tortura faz parte de tudo o que estamos a sofrer como mulheres por defender pacificamente os nossos direitos e os do nosso povo.
Queridas Irmãs
Gostaria de partilhar convosco a amarga experiência que vivi com a minha irmã Luaara, e a minha mãe desde 19 de Novembro de 2020 a 31 de Maio de 2022, que foi de 557 dias de prisão, um ano e sete meses de tortura e todo o tipo de violações graves dos direitos humanos.
Após o meu regresso de Espanha à cidade de El Aaiún, a 18 de Novembro de 2020, fui para a cidade ocupada de Bojador e lá fui recebida por um posto de controlo policial composto por 21 veículos e todo o tipo de aparelhos repressivos do ocupante. Fui levada para fora do carro com muita violência. Quando fui levada para a esquadra, fui despida e torturada durante mais de uma hora e meia.
Quando pude ir para a casa da família, fiquei trancada com a minha mãe que tinha sido agredida na cabeça e nas costas, ela estava quase inconsciente e não recebia qualquer assistência médica.
A minha casa foi cercada e sitiada por veículos militares e todas as forças repressivas, uma imagem deplorável. Eles taparam as nossas janelas. Na manhã seguinte, no dia 20, a minha irmã, Luaara foi espancada na cabeça até sangrar quase até à morte sem receber qualquer atenção médica.
O nosso abastecimento de electricidade e água foi cortado e todas as pessoas proibidas de nos visitar. Os meus sobrinhos pequenos foram expulsos de casa e fomos deixadas sozinhas, eu, a minha irmã e a minha mãe, que tem 86 anos de idade, enfrentando estas torturas.
Eles tentaram, mais uma vez, remover o meu único olho com golpes desferidos pelo torturador Hamid Amer. Todos os tipos de produtos tóxicos foram atirados contra a nossa casa e contra nós.
Queridas irmãs
Apesar de tudo o que estávamos a passar, continuámos a resistir e a hastear a bandeira da República Árabe Saharaui Democrática perante os próprios ocupantes. Todos os dias, colocamos as bandeiras saharauis fora das janelas e no telhado, a 10 de Maio de 2021, as forças do regime ocupante, invadiram a nossa casa para realizar uma tentativa de assassinato contra nós as 3. No dia 12 levaram a cabo outro assalto destruindo o que restava e violando a minha irmã Luara com um pau.
No meio da crise sanitária internacional, a 22 de Agosto, infectaram-me intencionalmente com o vírus corona e deixaram-me sem qualquer tratamento.
Mais de 120 agentes do aparelho repressivo marroquino, usando capuzes e roupas pretas, assaltaram-nos e invadiram a nossa casa para nos violarem e maltratar-nos em frente da nossa mãe e injectaram-nos com substâncias tóxicas desconhecidas, causando-nos danos tais como perda de cabelo e dentes, entre outros.
Todas estas práticas foram levadas a cabo para nos obrigar a abandonar a nossa casa. Mas nós, como mulheres saharauis, continuamos a resistir com uma vontade inquebrantável de hastear a bandeira saharaui.
Noutras datas, tais como 15 de Novembro, ela fui violada em frente da minha mãe, e a 5 de Dezembro de 2020 eles invadiram cruelmente a casa para nos violarem todos à vez, envenenarem os tanques de água e soldarem todo o acesso ao telhado para evitar que subíssemos para levantar a bandeira saharaui.
Não sendo suficientes, trouxeram gruas para sitiar a nossa casa e tentar destruí-la. Esta foi uma nova tentativa clara de nos assassinar. Às duas horas da manhã tentaram demolir a nossa casa enquanto estávamos lá dentro.
Queridas Irmãs
Aqui hoje apelamos à vossa solidariedade e a juntarem-se às mulheres saharauis, tanto nas zonas ocupadas como nos campos de refugiados, para fazer ouvir a nossa voz às mulheres livres do mundo para que partilhem o nosso desejo de viver em paz e liberdade.
Queridas irmãs
O nosso único desejo é viver sob a sombra da República Árabe Saharaui Democrática. Nós como mulheres, eu como activista e vítima, pedimos-vos mais unidade para trabalharmos em conjunto.
Para finalizar, deixem-me também convidá-las a visitar as vossas irmãs saharauis nos campos de refugiados e nas áreas ocupadas para conhecer em primeira mão as pessoas que defendem os seus direitos mais básicos há meio século.
Viva o Sahara Livre
Viva a República Árabe Saharaui Democrática
Viva o MDM