Por Isabel Lourenço – PUSL.- Staffan de Mistura, enviado pessoal do Secretário Geral das Nações Unidas esteve em “visita organizada” pelo ocupante Marrocos nos territórios ocupados do Sahara Ocidental.
Esta visita relâmpago que se iniciou no dia 4 de Setembro em El Aaiun, capital ocupada do Sahara Ocidental foi possível depois de recusas várias por parte de Marrocos. E mesmo assim esta visita carece de qualquer objetividade visto ter sido organizada pelo poder ocupante com uma agenda bem planeada e sem qualquer anúncio prévio para poder evitar manifestações da população saharaui organizadas com tempo.
Não obstante houve tentativas várias de manifestações pacificas que foram brutalmente desmanteladas pelas autoridades de ocupação e também se verificaram detenções e desaparecimentos de activistas e jovens saharauis.
Segundo a agência espanhola EFE “O enviado da ONU prosseguiu depois a sua viagem para a cidade de Dakhla, também no Sahara Ocidental, embora não se saiba com quem se encontrou, uma vez que a sua agenda é mantida em segredo.”
Os saharauis podem ainda confiar as promessas das Nações Unidas?
Desde que tomou posse em 2021, Marrocos recusou repetidamente autorizar a visita do enviado pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sahara Ocidental, porque Marrocos queria impor-lhe os locais onde deveria ir e as pessoas que deveria encontrar nos territórios ocupados. Já tinha feito o mesmo com o enviado Christopher Ross, o que demonstra claramente a excessiva indulgência das Nações Unidas face à intransigência e às manobras do regime de ocupação marroquino.
O enviado pessoal teve que esperar dois anos para entrar no Sahara Ocidental, sem dúvida com a ajuda dos Estados Unidos, desejosos de se empenharem de novo na região.
As Nações Unidas só anunciaram oficialmente a visita do enviado Staffan De Mistura quando este chegou a El Aaiun, a capital ocupada, a 4 de setembro de 2023.
Para além do cerco militar e mediático imposto aos territórios ocupados do Sahara Ocidental, e a fim de antecipar a visita, as autoridades marroquinas mobilizaram os seus serviços de informações em toda a cidade. Activistas saharauis e manifestantes pacíficos foram mantidos sob estreita vigilância, perseguidos nas ruas da cidade e agredidos, com o objetivo de os intimidar e impedir que se aproximassem ou falassem com o enviado pessoal do Secretário-Geral da ONU para o Sara Ocidental.
Infelizmente, tudo isto se passou sob o olhar passivo da MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental), e na presença do enviado da ONU Staffan De Mistura, que se encontrava de visita a Aaiun.
Apesar do silêncio mediático que envolveu a visita, Staffan de Mistura pôde manter um primeiro encontro de duas horas com personalidades e associações saharauis, que o informaram da situação real vivida pelo povo saharaui sob ocupação marroquina, após 32 anos de espera pelas promessas das Nações Unidas de organizar um referendo de autodeterminação.
Lembramos que o mesmo aconteceu durante a visita do último enviado pessoal Horst Koehler que também tomou nota do que lhe foi dito em encontro similar com saharauis mas que depois foi totalmente ignorado no seu relatório, assim como a repressão feroz de foram alvo os saharauis durante a sua visita em Junho de 2018.
Pode-se avaliar estas visitas como um teatro bem ensaiado e preparado com direito a montagem de cenários e com figurante e actores contratados, visto que Marrocos depois agenda reuniões com “representantes tribais” e “empresários de sucesso” para venderem a ideia de uma território maravilhoso cheio de oportunidades e desenvolvimento, como se a exploração eficaz de recursos que não lhes pertencem e a construção de infraestruturas para os colonos marroquinos justifiquem a ocupação e violência contra os saharauis.
A intervenção dos EUA, a situação em África e o realinhamento de forças a nível global
Curiosamente esta visita coincide com a visita a Rabat a 7 de setembro de 2023 com Secretário Adjunto para o Norte de África Joshua Harris e o Embaixador Puneet Talwar dos EUA que se reuniram com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Nasser Bourita.
Harris sublinhou o apreço dos EUA pelos esforços cruciais de Marrocos numa vasta gama de desafios regionais e globais, incluindo a resolução da instabilidade no Sahel, o apoio às eleições na Líbia e a promoção de medidas iguais de liberdade, segurança e prosperidade para israelitas e palestinianos.
Harris passou em revista as suas recentes viagens regionais, afirmou o total apoio dos EUA ao Enviado Pessoal do Secretário-Geral da ONU, Staffan de Mistura, e discutiu a importância do envolvimento com o Enviado Pessoal num espírito de realismo e compromisso, à medida que este intensifica os esforços para alcançar uma solução política duradoura e digna para o Sahara Ocidental e reafirmou também que os Estados Unidos continuam a considerar o plano de autonomia marroquino como sério, credível e realista, e uma abordagem potencial para satisfazer as aspirações do povo do Sahara Ocidental segundo comunicado publicado na página oficial da embaixada dos EUA em Rabat (https://ma.usembassy.gov/deputy-assistant-secretary-harris-affirms-enduring-partnershipand-support-for-un-political-process-for-western-sahara-with-foreign-minister-bourita/)
No entanto na agência EFE pode-se ler que “Os Estados Unidos recordaram em Rabat que o plano de autonomia de Marrocos para o Sahara Ocidental não é a única proposta sobre a mesa, mas apenas mais uma “abordagem potencial” para encontrar uma saída para o conflito. Washington exprimiu o seu “pleno apoio” à visita do enviado da ONU para o Sahara Ocidental, Staffan de Mistura, ao território esta semana.”
Esta afirmação é reveladora de uma mudança subtil nas linguagem dos EUA que evidentemente não querem alienar Marrocos aliado importante em nas várias guerras provocadas e mantidas pelos EUA , mas que estão cientes que a situação no Sahel e na África Francófona é explosiva e que terão que rever o seu posicionamento no apoio à França (aliado irmão de Marrocos).
A situação actual em África com golpes em vários países e mudanças de atitude em realção ao poder economista e explorador neocolonial, para além das novas alianças com países fora do continente e que não são ex-colonizadores têm que ser avaliadas em todas as acções e relações dos EUA se querem continuar a sua presença em África.
Os EUA que mostraram bem como podem abandonar potenciais aliados sem qualquer pré aviso como foi o caso da Alemanha e França nestas ultimas semanas defendem só e apenas os interesses da sua máquina oligárquica, raramente tendo em conta os avisos dos militares dos EUA . Os interesses económicos do 1% da sua população estão acima de tudo e todos.
Veremos os próximos desenvolvimentos nunca esquecendo que os EUA têm várias frentes de conflito abertas em simultâneo, o realinhamento de forças a nível global é um facto e que a divida externa dos EUA está nas mãos da China.
Conselho de Segurança e o Sahara Ocidental
Será que Staffan de Mistura irá incluir no seu relatório a situação real do povo saharaui e o facto de Marrocos para além de uma violência e apartheid extremo também recorre a drones para matar civis? Será que isso poderá ter tido em conta e reflectido no relatório do Secretário-Geral da ONU e na resolução do Conselho de Segurança do próximo mês de outubro?
Desde o cessar-fogo de 1991 que nunca foram tomadas boas decisões por parte da ONU. A ONU não deu as garantias necessárias para a aplicação do plano de paz, nem os meios para obrigar Marrocos a respeitá-lo, o direito internacional é ignorado e se o povo saharaui esperar pelas Nações Unidas que de vez em quando envia um “enviado pessoal do SG” como uma cenoura à frente de um burro a situação apenas irá tornar-se mais explosiva.
Será que o Conselho de Segurança, ou melhor dizendo os 5 membros permanentes (EUA, França, Reino Unido, Rússia e China) terão a coragem de alterar esta situação e porem fim ao massacre e lento genocídio do povo saharaui?