RTP.pt.- O representante da Frente Polisário para a Europa e Instituições Europeias, Mansour Omar, considerou hoje “bastarda” a proposta de uma maior autonomia para o Saara Ocidental apresentada por Marrocos e insistiu no referendo de autodeterminação do povo sarauí.
Numa entrevista à agência Lusa em Lisboa, onde se encontra para manter contactos com partidos políticos representados no Parlamento português, Omar atacou a proposta de Rabat, que tem vindo a ganhar apoios internacionais, considerando-a uma forma de “descarrilar o processo de paz” iniciado em 1991.
“A autonomia é uma proposta bastarda. É uma forma de descarrilar o processo de paz que estava bem encaminhado em bases sólidas, em bases neutras, que é a organização de um processo de referendo democrático no Saara Ocidental”, afirmou o diplomata e antigo ministro da República Árabe Sarauí Democrática (RASD).
Para Omar, a autonomia, proposta de forma “individual e unilateral”, não se enquadra” no processo de paz, mesmo depois das pressões internacionais” — “de alguns membros do Conselho de Segurança da ONU e de países africanos ” — para que Rabat aceite o referendo.
No entanto, garante que, para a Polisário, “ainda há espaço para negociações”, evitando elaborar sobre a composição do corpo eleitoral habilitado a votar num referendo, elaborado e definido em 1991 (na altura da assinatura dos acordos de paz na ONU e que definiu a realização da votação) e, mais tarde, revisto em 2007.
Questionado pela Lusa sobre as divisões reinantes no Conselho de Segurança da ONU — os Estados Unidos apoiam Marrocos, ao contrário de Rússia a Argélia (que abriga o regime sarauí) –, Omar disse que esta questão não “se insere no quadro de confrontos estratégicos”.
Trata-se, adiantou, do “problema de uma simples descolonização de um território que foi impedido de descolonizar, porque se impôs uma ocupação de um país”, Marrocos, em 1975.
A antiga colónia espanhola é considerada “território não autónomo” pela ONU, embora Rabat controle quase 80% de uma região quase desértica de 266.000 quilómetros quadrados.
Sobre o atual impasse, Mansour Omar destacou a “importância” de, pela primeira vez, o enviado do secretário-geral da ONU para o Saara Ocidental, Staffan De Mistura, se ter deslocado em meados deste mês aos territórios sarauís, no quadro de uma digressão regional que o levou também a Marrocos, Argélia e Mauritânia.
De Mistura, referiu, “falou com todos os intervenientes e até com a Polisário, esteve pela primeira vez nos campos de refugiados nos territórios ocupados e teve oportunidade de observar no terreno a realidade”.
Omar afirma esperar que a deslocação contribua para “desbloquear o impasse”.
“Queremos o relançamento do processo de paz no Saara Ocidental para conseguir a aplicação do direito à autodeterminação do Povo Sarauí”, acrescentou o representante sarauí, que exigiu que a Missão das Nações Unidas para o Referendo na África Ocidental (Minurso) “complete a sua missão”.
“Hassan II [antigo rei de Marrocos] entendeu o que era a guerra e negociou a paz. O novo rei, Mohamed VI [empossado a 23 de julho de 1999] tem bloqueado tudo. Tomou o trono num momento de paz e achou que seria mais fácil desistir de tudo isso. Posição ingénua. Despreza a capacidade de combate e a capacidade de resistência dos sarauís”, argumentou.
Para Omar, a única coisa que o rei do Marrocos conseguiu foi voltar ao conflito armado, desde 13 de novembro de 2020, “uma guerra não contínua, mas de desgaste que vai fragilizar ainda mais a economia marroquina”.
“Os 80 mil soldados marroquinos não conseguem uma vitória em 30 anos. Significa que [o país] vai perder a guerra. A Frente Polisário é um movimento de libertação que tem todo o seu povo preparado militarmente, homens e mulheres, e pode participar com milhares de homens, com unidades leves quando a circunstância o exigir. Não medimos em número de homens, mas medimos em capacidade de combate e vontade de morrer pelo que é nosso”, concluiu.