PUSL.- Em carta enviada ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pelo presidente saharaui, Brahim Ghali, o Presidente saharaui exprime a posição saharaui sobre vários pontos mencionados no último relatório do SG da ONU sobre a situação no Sahara Ocidental, afirmando que a Frente Polisario continuará a sua luta contra a ocupação marroquina e utilizará todos os meios legais para recuperar os direitos legítimos do povo saharaui e denunciando “o silêncio injustificado do Secretário-Geral da ONU e a sua relutância em dizer a verdade e responsabilizar o Estado ocupante marroquino pelas consequências da sua violação do cessar-fogo de 1991 de 13 de novembro de 2020”.
O presidente Gali também menciona que o “Estado ocupante de Marrocos violou e torpedeou com total impunidade o cessar-fogo de 1991”, causando “o colapso do cessar-fogo” e lembra que “as forças de ocupação marroquinas têm usado todos os tipos de armas, incluindo veículos aéreos não tripulados (UAVs), para matar cruelmente, não apenas dezenas de civis saharauis, mas também civis de países vizinhos em trânsito pelos Territórios Saharauis Libertados (S/2023/729, para. 11), afirmando que “os ataques aéreos mencionados no relatório (S/2023/729, parágrafos 7-9 e parágrafo 47) são apenas alguns dos repetidos ataques lançados pelas forças de ocupação marroquinas contra civis saharauis e de outros países vizinhos. Além disso, o relatório mais uma vez omite a identificação do Estado ocupante de Marrocos como o único responsável pelos ataques aéreos e outros ataques criminosos contra civis e outros, e fica-se com uma série de ataques aéreos “anónimos” que simplesmente aconteceram assim.”
Veja abaixo a íntegra da carta enviada ao SG da ONU:
TRADUÇÃO NÃO Oficial PUSL
Carta de S. Exa. o Sr. Brahim Ghali, Presidente da República Saharaui e Secretário- Geral da Frente Popular para a Libertação da Saguía el-Hamra e do Rio de Ouro (Frente POLISARIO), dirigida a S. Exa. o Sr. António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas
Senhor Secretário-Geral,
Bir Lehlou, 16 de outubro de 2023
A Frente POLISARIO toma nota do relatório (S/2023/729) do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre a situação do Sahara Ocidental, datado de 3 de outubro de 2023, e gostaria de deixar registada a sua posição relativamente a vários elementos contidos no relatório.
Como enfatizamos nas cartas (S/2021/980) e (S/2022/797) dirigidas a Vossa Excelência em 18 de outubro de 2021 e 14 de outubro de 2022, respetivamente, que foram distribuídas como documentos do Conselho de Segurança, foram as forças do Estado ocupante de Marrocos que violaram o cessar-fogo de 1991 e os acordos militares relacionados, incluindo o Acordo Militar n.º 1, em 13 de novembro de 2020, atacando civis saharauis em Guerguerat nos Territórios Saharauis Libertados e ocupando ilegalmente mais terras saharauis.
Foram as forças do Estado ocupante de Marrocos que construíram, como o senhor afirmou no seu relatório (S/2021/843, parágrafo 35), “um novo muro de areia com cerca de 20 km de comprimento em Guerguerat” e “consolidaram a sua presença em cerca de 40 km2 de terra na faixa tampão”. Foi também o Estado ocupante que afirmou desafiadoramente que as suas acções em Guerguerat eram “irreversíveis” (S/2021/843, parágrafo 23).
Este é o terceiro relatório publicado desde a documentada violação e torpedeamento do cessar- fogo de 1991 por parte do Estado ocupante de Marrocos. Mais uma vez, o Secretariado das Nações Unidas absteve-se, lamentavelmente, de falar a verdade e de responsabilizar o Estado ocupante pelas consequências da sua violação e torpedeamento do cessar-fogo. A Frente POLISARIO lamenta profundamente, uma vez mais, este silêncio injustificável que equivale a uma condescendência com a impunidade.
Portanto, não há dúvida de que o Estado ocupante de Marrocos violou e torpedeou com total impunidade o cessar-fogo de 1991 e os acordos militares relacionados e causou “o colapso do cessar-fogo”, conforme reconhecido pelo Conselho de Segurança em sua resolução 2602 (2021; PP 14), entre outros.
O Estado ocupante de Marrocos é também a única parte responsável pelas múltiplas consequências resultantes da sua violação continuada da presença e funcionamento da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) no Território, incluindo os “desafios significativos para as operações da MINURSO, em particular os seus esforços logísticos e de reabastecimento” (S/2023/729, para. 2).
Como nos relatórios anteriores desde 2021, o relatório refere-se, entre outros, a “incidentes de tiro” (S/2023/729, par. 3), “as hostilidades contínuas e a falta de um cessar-fogo entre Marrocos e a Frente POLISARIO” e “ataques aéreos e disparos através da berma” (S/2023/729, par. 90), assim como a MINURSO observou “vestígios de munições de morteiro explodidas” (S/2023/729, para. 4), “restos carbonizados de cinco indivíduos” e “veículos destruídos” (S/2023/729, para. 7).
Estas referências, entre outras coisas, desmascaram a mentira e a propaganda mentirosa do Estado ocupante de Marrocos, que continua em permanente estado de negação sobre a amarga realidade da nova guerra de agressão que desencadeou. No entanto, a falta de apuramento dos factos e de chamar as coisas pelos nomes não só conduz à ambiguidade como também favorece a impunidade.
A justificada insistência da Frente POLISARIO em que o Secretariado da ONU e o Conselho de Segurança apurem os factos relativos ao responsável pela violação do cessar-fogo é, pois, fundamental para compreender o que se passa realmente no terreno e as graves consequências que daí advêm não só para as operações da MINURSO mas também para o processo de paz no Sahara Ocidental, pois a situação no terreno e o processo de paz são indissociáveis.
A Frente POLISARIO apela aos membros do Conselho de Segurança para que tenham em conta o que precede quando se reunirem para deliberar sobre a renovação do mandato da MINURSO nos próximos dias.
Senhor Secretário-Geral,
De facto, como já indicámos em várias ocasiões, as forças de ocupação marroquinas têm utilizado todo o tipo de armas, incluindo veículos aéreos não tripulados (UAV), para matar insensivelmente, não só dezenas de civis saharauis, mas também civis de países vizinhos em trânsito pelos Territórios Saharauis Libertados (S/2023/729, par. 11).
No entanto, os ataques aéreos referidos no relatório (S/2023/729, parágrafos 7-9 e parágrafo 47) são apenas alguns dos ataques repetidos lançados pelas forças de ocupação marroquinas contra civis saharauis e outros de países vizinhos. Além disso, o relatório não identifica mais uma vez o Estado ocupante de Marrocos como o único responsável pelos ataques aéreos e outros ataques criminosos contra civis e outros, e fica-se com uma série de ataques aéreos “anónimos” que simplesmente aconteceram assim.
A Frente POLISARIO sublinha uma vez mais que o ataque deliberado a civis e a objectos civis constitui um crime de guerra, em conformidade com o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. É também uma violação das regras do direito internacional humanitário aplicáveis em conflitos armados internacionais, incluindo o princípio da distinção e a proibição de ataques indiscriminados e actos ou ameaças de violência cujo principal objetivo é espalhar o terror entre a população civil. O Estado ocupante de Marrocos deve ser responsabilizado pelos seus contínuos crimes de guerra no Sahara Ocidental.
Em relação aos desenvolvimentos operacionais, o relatório assinala que “entre abril e junho, a MINURSO conduziu subsequentemente cinco movimentos separados de comboios terrestres de reabastecimento para os locais das suas equipas a leste da berma” (S/2023/729, para. 17).
Apesar do colapso do cessar-fogo, a Frente POLISARIO, no quadro do seu pleno empenhamento no cumprimento do mandato para o qual a MINURSO foi criada pelo Conselho de Segurança e implantada no Território em 1991, continua a envidar todos os esforços, nas circunstâncias mais difíceis, com vista a atenuar os efeitos sobre a Missão, em conformidade com as regras do direito internacional humanitário aplicáveis nos conflitos armados internacionais.
Neste contexto, a Frente POLISARIO continua a dar a máxima prioridade à segurança e à proteção dos observadores militares, do pessoal, dos bens e dos recursos da MINURSO nos cinco locais de trabalho da Missão nos Territórios Saharauis Libertados (S/2023/729, parágrafo 5757). A MINURSO assegura regularmente passagem para os voos da MINURSO (atualmente uma vez por semana, para além de voos adicionais quando necessário) para fazer rotações de tropas, entrega de bens essenciais aos locais da Equipa de Missão, entre outras coisas.
A Frente POLISARIO continua a assegurar a passagem das patrulhas terrestres de ligação entre os locais das equipas da MINURSO nos Territórios Saharauis Libertados para as operações de rotação, logística e manutenção. Além disso, a Frente POLISARIO forneceu em várias ocasiões água a granel e gasóleo aos locais das equipas da MINURSO. A Frente POLISARIO exprimiu repetidamente a sua disponibilidade para prestar à Missão toda a assistência material, logística e de outro tipo.
Como um gesto de boa vontade para ajudar a MINURSO a superar alguns dos desafios logísticos que enfrenta, a Frente POLISARIO concedeu passagem segura à Missão para conduzir comboios terrestres logísticos para reabastecer os seus Team Sites nos Territórios Saharauis Libertados. Graças a este gesto, vários comboios terrestres de reabastecimento foram conduzidos pela MINURSO em abril, maio, junho e setembro de 2023, e outro comboio terrestre tem a aprovação para se deslocar a 17 de outubro de 2023. No entanto, o Secretariado da ONU e a MINURSO continuam a ignorar os enormes esforços feitos pela Frente POLISARIO para facilitar o funcionamento da MINURSO e assegurar a sua sustentabilidade.
Em contrapartida, o Estado de ocupação marroquino continua a pôr em perigo a segurança e a proteção dos observadores militares da MINURSO, tendo mesmo ameaçado atingir todos os civis e bens saharauis que prestam serviços à MINURSO, mesmo que sejam escoltados pelas patrulhas da Missão (S/2022/733, para. 63). Infelizmente, a MINURSO parece ter sucumbido às pressões exercidas pelo Estado ocupante, o que põe em causa a imparcialidade e a credibilidade da Missão.
Além disso, o Estado ocupante de Marrocos tem feito tudo o que está ao seu alcance, com total impunidade, para impedir a plena implementação do mandato da MINURSO, depois de ter manifestado a sua relutância em avançar com o Plano de Resolução, que já tinha aceite, como confirmado pelo Secretário-Geral (S/2002/178, par. 48) em fevereiro de 2002. Desde então, o Estado ocupante tem tentado esvaziar o mandato da MINURSO da sua substância e transformar a Missão num “guardião” do facto consumado imposto à força no Sahara Ocidental ocupado.
Chegou mesmo a expulsar o pessoal civil da Missão, incluindo os observadores da União Africana, em março de 2016. Em violação do acordo de estatuto de missão celebrado com as Nações Unidas, o Estado ocupante de Marrocos continua a impor várias restrições à MINURSO que comprometem o carácter internacional da Missão e afectam a sua imparcialidade, como o Secretário-Geral tem repetidamente assinalado nos seus relatórios, incluindo o último relatório (S/2023/729, parágrafo 67).
O Painel de Alto Nível sobre as Operações de Paz das Nações Unidas, convocado em 2000 pelo anterior Secretário-Geral, salientou que “quando uma das partes num acordo de paz viola de forma clara e incontestável os seus termos, a continuação da igualdade de tratamento de todas as partes por parte das Nações Unidas pode, no melhor dos casos, resultar em ineficácia e, no pior, pode equivaler a cumplicidade com o mal” (A/55/305, S/2000/809, página ix).
A imparcialidade da MINURSO reside no estrito cumprimento dos objectivos do seu mandato, mas não aquela “imparcialidade” que iguala duas partes que não são originalmente iguais porque há um claro agressor, o Estado ocupante de Marrocos, e uma vítima, o povo saharaui. Por isso, o enfraquecimento progressivo da credibilidade e da imparcialidade da MINURSO e o seu desvio do seu mandato fundamental são totalmente inaceitáveis.Senhor Secretário-Geral,
A Frente POLISARIO toma nota das partes do relatório (S/2023/729, parágrafos 34-36) que se referem à visita efectuada pelo Enviado Pessoal do Secretário-Geral para o Sahara Ocidental a El Aaiún e Dajla, no Sahara Ocidental Ocupado, depois de o Estado ocupante de Marrocos ter sido obrigado a aceitar as condições das Nações Unidas e a sua insistência na necessidade de a visita se realizar de acordo com os mesmos critérios que regeram as visitas de anteriores enviados da ONU ao Território.
Embora o Estado ocupante de Marrocos tenha tentado inundar o seu programa de visita com reuniões com “um grande número de funcionários marroquinos e “funcionários eleitos” locais” e visitando “vários projectos de infra-estruturas financiados por Marrocos” (S/2023/729, para. 34), o Enviado Pessoal conseguiu encontrar-se com poucos activistas dos direitos humanos saharauis e antigos detidos que o informaram sobre a situação real no Sahara Ocidental ocupado.
No entanto, a Frente POLISARIO reitera a sua forte condenação da situação “anómala” em que os enviados da ONU precisam de “obter o consentimento” do Estado ocupante de Marrocos para visitar o Sahara Ocidental ocupado que está sujeito a um processo de descolonização sob os auspícios das Nações Unidas. A este respeito, a Frente POLISARIO sublinha mais uma vez que o Enviado Pessoal deve ter acesso regular e sem restrições ao Território e insta o Conselho de Segurança a incluir um forte pedido nesse sentido na sua próxima resolução sobre a renovação do mandato da MINURSO.
O relatório observa que “a falta de acesso da Missão aos interlocutores locais a oeste da berma continuou a limitar severamente a sua capacidade de recolher informações fiáveis sobre a situação e de avaliar e relatar os desenvolvimentos em toda a sua área de responsabilidade” (S/2023/729, para. 66). É também imperativo que, na sua próxima resolução sobre a renovação do mandato da MINURSO, o Conselho de Segurança exija o acesso total e sem restrições da Missão aos interlocutores locais no Território.
No que diz respeito às “medidas de construção de confiança”, o relatório aponta que o Enviado Pessoal “continuou a tomar nota de que nem Marrocos nem a Frente POLISARIO expressaram interesse imediato em continuar o trabalho sobre estas questões” (S/2023/729, para. 75). O facto é que a Frente POLISARIO explicou ao Enviado Pessoal a sua compreensão da noção de medidas de construção de confiança e expressou a sua vontade de se envolver nesta base. É a outra parte que declarou oficialmente em muitas ocasiões que não está disposta a discutir quaisquer medidas de criação de confiança. Por conseguinte, a verdade deve ser dita sem grandes generalizações e ambiguidades.
No que diz respeito aos direitos humanos, o relatório assinala que “o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) não pôde realizar nenhuma visita ao Sahara Ocidental pelo oitavo ano consecutivo, apesar dos múltiplos pedidos e apesar de o Conselho de Segurança, na sua resolução 2654 (2022), ter instado a uma cooperação reforçada, nomeadamente através da facilitação de tais visitas” (S/2023/729, para. 76).
Mais uma vez, o Estado ocupante de Marrocos não é responsabilizado por obstruir o trabalho dos organismos das Nações Unidas e por lhes negar repetidamente o acesso ao território. É portanto imperativo que, na sua próxima resolução sobre a renovação do mandato da MINURSO, o Conselho de Segurança exija que o ACNUDH tenha acesso total e sem restrições ao Sahara Ocidental ocupado.
O relatório refere “uma redução crescente do espaço cívico, nomeadamente através de obstruções, intimidações e restrições contra activistas saharauis, defensores dos direitos humanos e movimentos estudantis”, impedindo e reprimindo pelas autoridades marroquinas “reuniões de apoio ao direito à autodeterminação e eventos comemorativos saharauis”, e a recusa de entrada ou expulsão de “observadores internacionais, investigadores e advogados empenhados na defesa do Sahara Ocidental” (S/2023/729, parágrafo 77).
O relatório também assinala “que os presos saharauis, incluindo o grupo Gdeim Izik, continuaram a ser mantidos fora do Sahara Ocidental em duras condições de detenção, incluindo o isolamento, e sujeitos a restrições no contacto com as suas famílias e advogados” (S/2023/729, para. 79). Apelamos ao Secretário-Geral para que garanta a libertação imediata e incondicional de todos os presos políticos saharauis, para que possam regressar à sua terra natal e reunir-se às suas famílias.
Os poucos abusos descritos no relatório não fazem justiça às sistemáticas violações dos direitos humanos perpetradas com total impunidade pelas autoridades de ocupação marroquinas contra civis saharauis e defensores dos direitos humanos, longe do escrutínio internacional devido ao contínuo bloqueio militar e ao blackout mediático imposto ao Sahara Ocidental Ocupado.
A Frente POLISARIO partilha com o Secretário-Geral a preocupação expressa nas suas recomendações e observações “sobre a contínua falta de acesso do ACNUDH ao Território”, bem como o seu apelo à necessidade de respeitar, proteger e promover os direitos humanos no Sahara Ocidental, nomeadamente abordando as questões pendentes em matéria de direitos humanos e reforçando a cooperação com o ACNUDH e os mecanismos de direitos humanos das Nações Unidas, e para facilitar as suas missões de monitorização (S/2023/729, para. 101).
Senhor Secretário-Geral,
Exigimos uma MINURSO robusta e com plenos poderes não só para cumprir o seu mandato, mas também para funcionar como uma operação de paz moderna que monitoriza, protege e informa sobre os direitos humanos na sua área de responsabilidade, entre outras coisas. Tendo em conta a deterioração da situação dos direitos humanos no Sahara Ocidental Ocupado, é inaceitável do ponto de vista ético e político que a MINURSO continue a ser uma exceção, numa altura em que a promoção e a proteção dos direitos humanos se tornam uma prioridade em todas as operações de paz das Nações Unidas.
Da mesma forma, a Frente POLISARIO apoia firmemente a observação do Secretário-Geral de que “é necessário um acompanhamento independente, imparcial, abrangente e sustentado da situação dos direitos humanos para garantir a proteção de todas as pessoas no Sahara Ocidental” (S/2023/729, parágrafo 101). Neste contexto, a Frente POLISARIO apela mais uma vez à operacionalização da responsabilidade legal e moral das Nações Unidas para com o povo saharaui, em particular os civis saharauis que vivem nos territórios sob a ocupação ilegal marroquina.
A responsabilidade implica a criação de um mecanismo independente e permanente da ONU para a proteção dos direitos políticos, económicos, sociais e culturais do povo saharauí, incluindo o seu direito à soberania permanente sobre os seus recursos naturais, e a apresentação de relatórios in situ e regulares sobre a situação no território aos órgãos competentes das Nações Unidas.
Marrocos é a potência ocupante do Sahara Ocidental em conformidade com as resoluções 34/37 da Assembleia Geral de 21 de novembro de 1979 e 35/19 de 11 de novembro de 1980, entre outras resoluções. As informações apresentadas ao ACNUDH pelo Estado ocupante de Marrocos e pelo seu “Conselho Nacional dos Direitos do Homem” sobre o Sahara Ocidental (S/2023/729, parágrafos 82-83) são inaceitáveis e não podem ser citadas num relatório do Secretário-Geral sobre o Sahara Ocidental, não só porque carecem de toda a credibilidade, mas também porque representam uma violação do estatuto internacional do Território como Território Não Autónomo sobre o qual o Estado ocupante não exerce qualquer soberania.
O relatório salienta que “no Território, as acções unilaterais assertivas e os gestos simbólicos em curso continuam a ser uma fonte de tensão duradoura e têm um impacto negativo na situação” (S/2023/729, parágrafo 93). A Frente POLISARIO recorda que uma das consequências do facto de o Sahara Ocidental ter o estatuto de Território Não Autónomo na agenda da ONU é a proibição de qualquer medida unilateral que possa alterar esse estatuto.
A este respeito, a Frente POLISARIO regista a posição tomada pelo Enviado Pessoal do Secretário-Geral durante a sua visita ao Sahara Ocidental Ocupado quando “se encontrou” na presença de vários dos chamados “Cônsules-Gerais” (S/2023/729, para. 36) trazidos pelo Estado ocupante de Marrocos. Esta posição é uma clara reafirmação de que as Nações Unidas não reconhecem os chamados “consulados” ilegais no Sahara Ocidental Ocupado.
É também uma afirmação clara de que as Nações Unidas não podem reconhecer política e moralmente as tentativas do Estado ocupante de Marrocos de “legitimar” a sua ocupação ilegal do Sahara Ocidental e de impor o facto consumado através de medidas ilegais como a abertura de “consulados” para entidades estrangeiras, a realização de “eleições”, a organização de manifestações culturais e desportivas no Sahara Ocidental ocupado, entre outras.
O relatório indica que, em 29 de setembro de 2021, o Tribunal Geral do Tribunal de Justiça da União Europeia emitiu um acórdão que anulava o Acordo de Parceria no domínio da pesca celebrado entre a União Europeia e Marrocos, por considerar que a celebração do Acordo “não pode ser considerada como tendo obtido o consentimento do povo do Sara Ocidental” (S/2023/729, n.º 23).
Entendemos que a referência ao acórdão do Tribunal Geral da UE de setembro de 2021 se deveu não só à objeção levantada na nossa carta anterior (S/2022/797), quando salientámos que “o relatório permanece inexplicavelmente totalmente omisso em relação ao acórdão proferido em 29 de setembro de 2021 pelo Tribunal Geral da União Europeia, cujo resumo foi distribuído como um documento do Conselho de Segurança (S/2021/979)” (página 6.).
A referência ao acórdão do Tribunal Geral da UE deve também ser considerada coerente com a resolução A/RES/77/130 da Assembleia Geral sobre “Actividades económicas e outras que afectam os interesses dos povos dos territórios não autónomos”, datada de 15 de dezembro de 2022, na qual a Assembleia Geral solicitou ao Secretário-Geral, inter alia “a continuar, por todos os meios à sua disposição, a informar a opinião pública mundial de qualquer atividade que afecte o exercício do direito dos povos dos Territórios Não Autónomos à autodeterminação, em conformidade com a Carta, a resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral e as outras resoluções relevantes das Nações Unidas sobre descolonização” (OP 13).
Ao referir-se à sentença emitida pelo Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos em 22 de setembro de 2022 (S / 2023/729, parágrafo 85), o relatório não menciona que o Tribunal Africano enfatizou que a ocupação contínua da República Saharaui (RASD) por Marrocos é incompatível com o direito à autodeterminação do povo da RASD, conforme consagrado no artigo 20 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Aplicação n.º 028/2018, parágrafo 303). O relatório também não informa, pela sétima vez consecutiva, o Conselho de Segurança de que o Estado ocupante de Marrocos continua a recusar-se a permitir que a missão de observação da União Africana regresse ao Sahara Ocidental e retome a sua colaboração com a MINURSO.
Senhor Secretário-Geral,
A Frente POLISARIO partilha convosco a opinião expressa nas observações e recomendações do relatório de que uma solução para a questão do Sahara Ocidental é mais urgente do que nunca (S/2023/729, parágrafo 91). Neste contexto, a Frente POLISARIO chama a atenção para o documento intitulado “Fundamentos para o relançamento do processo de paz da ONU no Sahara Ocidental e para o fazer avançar no sentido de uma solução pacífica, justa e duradoura”, que explica a posição da Frente POLISARIO a este respeito, e que foi apresentado ao Secretário- Geral durante a reunião de Nova Iorque de 11 de setembro de 2023.
O relatório observa que “as Nações Unidas continuam disponíveis para convocar todos os interessados na questão do Sahara Ocidental num esforço conjunto para fazer avançar a procura de uma solução pacífica” (S/2023/729, parágrafo 92). A Frente POLISARIO recorda mais uma vez que as duas partes no conflito do Sahara Ocidental são a Frente POLISARIO e Marrocos e reafirma a sua disponibilidade para cooperar com o Secretário-Geral e o seu Enviado Pessoal com vista a alcançar uma solução pacífica, justa e duradoura para a descolonização do Sahara Ocidental.
O relatório observa ainda que “a MINURSO representa o compromisso das Nações Unidas e da comunidade internacional para alcançar uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável para o conflito no Sahara Ocidental, de acordo com as resoluções do Conselho de Segurança 2440 (2018), 2468 (2019), 2494 (2019), 2548 (2020), 2602 (2021) e 2654 (2022)”
(S/2023/729, para.102).
Além disso, o Secretário-Geral salienta que continua a “acreditar que é possível encontrar uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável que proporcione a autodeterminação do povo do Sahara Ocidental, em conformidade com as resoluções 2440 (2018), 2468 (2019), 2494 (2019), 2548 (2020), 2602 (2021) e 2654 (2022) do Conselho deSegurança” (S/2023/729, para. 91).
Como sublinhámos nas cartas (S/2021/980) e (S/2022/797), as orientações fornecidas pelo Conselho de Segurança quanto à natureza da solução do conflito do Sahara Ocidental para o qual a MINURSO foi criada em 1991 não estão contidas apenas nas resoluções do Conselho de Segurança acima citadas. Além disso, o Conselho de Segurança é o órgão que estabeleceu, sob a sua autoridade, a MINURSO e o seu mandato em virtude da sua resolução 690 (1991) e, desde então, o Conselho tem recordado e reafirmado consistentemente todas as suas resoluções anteriores sobre o Sahara Ocidental, incluindo a sua última resolução, 2654 (2022).
A Frente POLISARIO afirma, a este respeito, que as resoluções da Assembleia Geral sobre o Sahara Ocidental, enquanto questão de descolonização inscrita na agenda da ONU desde 1963, não podem nunca ser postas de lado, pois continuam a constituir o quadro para a solução pacífica, justa e duradoura.
A Frente POLISARIO afirma mais uma vez com veemência que não se envolverá em nenhum processo de paz baseado exclusivamente nas resoluções do Conselho de Segurança acima citadas ou em qualquer interpretação selectiva e redutora dessas resoluções que não seja apoiada nem pelas resoluções do Conselho de Segurança como um todo integrado, nem pela letra e espírito das resoluções da Assembleia Geral e das disposições do Plano de Resolução que está na base do mandato da MINURSO e da sua razão de ser.
Nas observações e recomendações, o Secretário-Geral regista “a intenção declarada de Marrocos
de permanecer respeitando o cessar-fogo e as disposições dos Acordos Militares e de manter uma estreita cooperação com a MINURSO a todos os níveis” (S/2023/729, parágrafo 96). A declaração do Estado ocupante de Marrocos da sua “intenção de permanecer respeitoso do cessar-fogo”, que violou e torpedeou com total impunidade a 13 de novembro de 2020, é um escárnio do Conselho de Segurança e as suas resoluções e um insulto à inteligência dos Estados-Membros e da comunidade internacional.
Que “cessar-fogo” é este de que fala o Estado ocupante de Marrocos e que “tenciona” respeitar? O Conselho de Segurança já reconheceu e registou com profunda preocupação a “rutura do cessar-fogo”, nas suas resoluções 2602 (2021) e 2654 (2022). O Secretário-Geral também se referiu nos seus últimos relatórios, incluindo o mais recente (S/2023/729), às “hostilidades contínuas e à falta de um cessar-fogo entre Marrocos e a Frente POLISARIO”. Refere-se igualmente aos “ataques aéreos” que causaram a morte de dezenas de civis saharauis e de outros dos países vizinhos, mortos de forma cruel pelas forças do Estado ocupante utilizando todo o tipo de armas, incluindo veículos aéreos não tripulados (UAV).
O Estado ocupante de Marrocos pode espalhar as mentiras que quiser sobre si próprio e sobre as suas “intenções”, mas as consequências destrutivas da sua grave e continuada violação do cessar- fogo e da nova guerra de agressão que desencadeou contra o povo saharaui desde 13 de novembro de 2020 são inegáveis e estão à vista de todos.
A este respeito, reiterando a sua rejeição categórica da continuação da ocupação militar ilegal de partes do Sahara Ocidental pelo Estado marroquino desde 31 de outubro de 1975, a Frente POLISARIO reafirma que não aceitará, em circunstância alguma, o facto consumado nos Territórios Saharauis Libertados, ilegalmente ocupados pelas forças do Estado ocupante desde 13 de novembro de 2020, e que continuará a utilizar todos os meios legítimos para resistir à ocupação ilegal marroquina e defender os direitos sagrados do povo saharaui.
Senhor Secretário-Geral,
Para concluir, a Frente POLISARIO reitera o seu empenho em contribuir para a obtenção de uma solução pacífica, justa e duradoura para a descolonização do Sahara Ocidental, em conformidade com os princípios da legalidade internacional e as resoluções pertinentes das Nações Unidas e da União Africana e com base no mandato para o qual foi criada a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO).
No entanto, como temos reiterado em várias ocasiões, ninguém deve ter ilusões de que um processo de paz genuíno e credível possa começar e avançar no Sahara Ocidental sem acabar com a impunidade com que o Estado ocupante de Marrocos tem sido autorizado a obstruir o referendo de autodeterminação, que é o mandato central da MINURSO, e, eventualmente, violar e torpedear o cessar-fogo de 1991 e mergulhar a região em mais uma espiral de violência e instabilidade.
Agradecia que a presente carta fosse levada ao conhecimento dos membros do Conselho de Segurança.
Queira aceitar, Senhor Secretário-Geral, os protestos da minha mais elevada consideração.
(Assinado)
Brahim Ghali Presidente da República Árabe Saharaui
Democrática Secretário-Geral da Frente POLISARIO
S.E. António Guterres
Secretário-Geral das Nações Unidas
Nações Unidas, Nova Iorque
Situation concerning Western Sahara
Report of the Secretary-General
Situation concerning Western Sahara Report of the Secretary-General by porunsaharalibre.org on Scribd