Luxemburgo (EuroEFE) – A advogada-geral da União Europeia vai pronunciar-se a 21 de março de 2024 sobre a validade ou invalidade jurídica do acordo de comércio e pescas entre a UE e Marrocos, que a Frente Polisário rejeita por incluir a exportação de produtos agrícolas e pesqueiros explorados nos territórios e águas do Sahara Ocidental.
A data de 21 de março foi anunciada na terça-feira pela própria advogada-geral, a croata Tamara Capeta, no final da segunda e última audiência do contencioso no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que está a analisar os recursos da Comissão Europeia e do Conselho Europeu – que reúne os governos de cada país da UE – contra a anulação dos acordos com Marrocos.
Em 2021, o Tribunal Geral da União Europeia (TJUE) aceitou dois recursos da Frente Polisário para a anulação dos acordos comerciais e de pesca, considerando que deveriam ter sido aprovados pela organização saharaui como representante do povo do Sahara Ocidental, embora não tenha paralisado a sua implementação até um julgamento final.
A Comissão e o Conselho Europeu recorreram da decisão do tribunal de primeira instância da UE, a mais alta autoridade judicial da UE, para o TJUE, argumentando que a Polisário não tem o direito de representar o povo saharaui em tribunais internacionais.
O advogado-geral, muito inquisitivo com Bruxelas
Os juízes do TJUE dedicaram a audiência final de terça-feira a perguntas às partes envolvidas no litígio, embora tenha sido a advogada-geral da UE, cujas opiniões costumam orientar a decisão final dos juízes, a mais inquisitiva nos seus interrogatórios, especialmente dirigidos ao Conselho e à Comissão Europeia.
O advogado Capeta quis esclarecer se Marrocos é obrigado a especificar a origem das frutas e legumes produzidos no Sahara Ocidental e importados deste país para a UE com uma rotulagem diferente.
O acordo assinado com Bruxelas obriga a essa distinção, mas o advogado do Conselho Europeu no litígio, Frederik Naert, admitiu que a responsabilidade de certificar corretamente a origem depende do bom trabalho das autoridades marroquinas.
“O acordo exige que haja uma autoridade competente que possa efetuar esse controlo e, até à data, o Sahara Ocidental não dispõe de autoridades que possam exercer as funções de um Estado normal”, justificou Naert.
O advogado-geral também quis saber em que consistiram as consultas realizadas pela Comissão Europeia com entidades civis e agentes económicos do Sahara Ocidental antes da assinatura do acordo com Marrocos, e que Bruxelas utiliza para justificar perante o TJUE que os pactos tiveram o consentimento do povo saharaui, que é exatamente o que o acórdão de 2021 do TGUE diz não ter existido.
A certa altura da sua resposta, o advogado da Comissão Europeia no julgamento, o espanhol Daniel Calleja, assegurou que, com estas consultas, Bruxelas queria “avaliar os benefícios” que o acordo com Marrocos teria para a população do Sahara Ocidental, que ele colocou em 54.000 novos empregos e uma economia de 80 milhões de euros nas exportações, graças às tarifas preferenciais.
Na sua resposta, a advogada-geral endureceu o tom, considerando que, com esta resposta, Calleja não estava a “esclarecer nada”, e perguntou explicitamente à Comissão se tinha pedido o consentimento do povo saharaui para selar o acordo com Marrocos.
“Tanto quanto entendi, não pediram o consentimento do povo saharaui, estavam apenas a verificar se havia efeitos benéficos para ele”, concluiu Capeta.
O advogado da Frente Polisario, Gilles Devers, também interveio para questionar a legitimidade das consultas realizadas por Bruxelas, uma vez que, segundo ele, os actores económicos e as organizações civis do Sahara Ocidental são maioritariamente constituídos por “colonos” marroquinos, e afirmou que as consultas da Comissão não os “distinguem” da população autóctone.
A Frente Polisario espera um julgamento favorável
Concluída a fase da audição oral, a delegação saharaui está otimista após a audição de terça-feira. O representante da Frente Polisario em Espanha, Abdulah Arabi, exprimiu a “esperança” que o acórdão do TJUE “anule definitivamente” o acordo de comércio e pesca por “incluir recursos que não pertencem” a Marrocos.
Em declarações à EFE após a audiência, o representante da Polisario previu que o acórdão “reforçará” o povo saharaui “na sua luta pela autodeterminação e independência” e “romperá com a propaganda” que, segundo ele, Marrocos difunde “utilizando os países da União Europeia” para se arrogar a soberania do Sahara Ocidental.
Arabi lamentou que a Comissão Europeia tenha tentado convencer o tribunal com a premissa de que os acordos comerciais irão beneficiar a população saharaui, uma vez que, na sua opinião, “prevalece a necessidade” de que este pacto seja subscrito pelo “representante legal do povo saharaui, que é a Frente Polisario”.
Numa resolução de 1979, a Assembleia Geral da ONU qualificou a Frente Polisario como “representante do povo do Sahara Ocidental” e recomendou a esta organização que participasse “plenamente” na procura de uma solução para o conflito.
A UE é o principal parceiro comercial de Marrocos. Em 2022, 56% das exportações de Marrocos destinaram-se à UE, enquanto 45% das suas importações foram provenientes da UE. Para a UE, Marrocos é também o principal parceiro na margem sul do Mediterrâneo.